No Facebook do Folha 8 foi publicado o seguinte texto: “Razão tinha Kundi Paihama, actual governador do Huambo, quando, no dia 12 de Janeiro de 2008, “botou faladura” num comício na sede do Município da Matala e disse: “Durmo bem, como bem e o que restar no meu prato dou aos meus cães e não aos pobres”. Os cães ficaram agradecidos e retribuem: “O nosso dono é muito muito bem mandado. Obediente, brincalhão, carinhoso, esperto – só lhe faltava ladrar. Por enquanto”.
Por Orlando Castro
M uitos leitores mostraram interesse em recordar um pouco mais sobre esta história, verídica, de actual governador do Huambo. É isso que fazemos agora, até porque alimentar a memória é um acto nobre embora, reconhecemos, possa significar um caso de rebelião ou um atentado contra a segurança do Estado.
Discursando em Agosto de 2012 no Estádio Nacional de Ombaka (Benguela) o ministro dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, general Kundi Paihama, disse que os que lutarem contra o MPLA e contra José Eduardo dos Santos “vão ser varridos”.
E se Kundi Paihama o disse é porque vai mesmo fazer isso. O regime, ou seja o MPLA, há muito que começou – embora de forma mais subtil – a pôr a razão da força acima da força da razão, mostrando que só é possível haver paz e democracia em Angola se tudo continuar na mesma.
Ao contrário do que acontecera em 2008, o regime tinha em 2012 (tal como terá em 2017) indicações fidedignas de que os mortos se recusariam a votar no MPLA. Isso não foi, não é nem será impeditivo de uma solução alternativa, testada com êxito nas anteriores eleições, em que em alguns círculos eleitorais apareçam mais votos do que votantes.
Se se estivesse a falar de um Estado de Direito e de uma comunidade internacional honesta, seria criticável que o partido que governa Angola desde 11 de Novembro de 1975, que tem como seu líder carismático e presidente da República alguém que está no poder há 36 anos, sem ter sido nominalmente eleito, sentisse necessidade de usar a intimidação violenta para ganhar eleições.
Mas como nada disso se passa, tudo vai continuar a ser feito por medida e à medida do MPLA. É para isso que as riquezas existem.
E porque o regime só reconhece a existências de um único deus, Eduardo dos Santos, não admite que existam dúvidas, não aceita que a sua liberdade termine onde começa a do Povo. Vai daí, intimida, ameaça, espanca, rapta e mata quem tiver a veleidade de contrariar o “querido líder”.
Como dizia o bispo emérito de Cabinda, Paulino Madeca, “quando um político entra em conflito com o seu próprio povo, perde a sua credibilidade, torna-se um eterno ditador”. É o caso de Eduardo dos Santos.
Por alguma razão Kundi Paihama, tal como os restantes sipaios do regime, continua a pedir aos militantes do seu partido para que controlem “milimetricamente” todas as acções da oposição, para não serem “surpreendidos”.
Na senda do que tem feito ao longo dos anos, o MPLA acusa a Oposição de enveredar por “manifestações violentas e hostis, provocando vítimas, inventando vítimas, incentivando a desobediência civil, greves e tumultos, provocando esquadras e agentes e patrulhas da polícia com pedras, garrafas e paus”.
Certamente graças ao árduo trabalho de Kundi Paihama, o MPLA dizia, diz e dirá que tem em seu poder “informações secretas que apontam que a UNITA e outros opositores estão prestes a levar a cabo um plano B”.
Plano que prevê, segundo os etílicos delírios dos dirigentes da ditadura angolana, “uma insurreição a nível nacional, tipo Líbia, Egipto, Tunísia e Síria”, sendo as províncias de Luanda, Huambo, Huíla, Benguela e Uíge as visadas.
Sempre que no horizonte se vislumbra, mesmo que seja uma hipótese remota, a possibilidade de alguma mudança, o regime dá logo sinais preocupantes quanto ao medo de perder as eleições.
Para além do domínio quase total dos meios mediáticos, tanto nacionais como estrangeiros, o MPLA aposta forte numa estratégia que tem dado bons resultados. Isto é, no clima de terror e de intimidação. E para esse papel, reconheça-se, não ninguém melhor do que Kundi Paihama.
Aliás, um dia destes vamos ver por aí Kundi Paihama afirmar que todos aqueles que têm, tiveram, ou pensam ter qualquer tipo de armas são terroristas que devem “ser varridos”.
E, na ausência de melhor motivo para aniquilar os adversários que, segundo o regime, são isso sim inimigos, o MPLA poderá sempre jogar a cartada que tem na primeira linha das suas opções e que é tão do agrado das potências internacionais, e que é a de que há perigo de terrorismo, de guerra civil.
Kundi Paihama não tardará (por ele já o teria feito) a redescobrir mais uns tantos exércitos espalhados pelas terras onde a UNITA tem mais influência política, para além de já ter dito que quem falar contra o MPLA vai para a cadeia, certamente comer farelo.
Tal como mandam os manuais, o MPLA começa a subir o dramatismo para, paralelamente às enxurradas de propaganda, prevenir os angolanos de que ou ganha ou será o fim do mundo.
Além disso, nos areópagos internacionais vai deixando a mensagem de que ainda existem por todo o país bandos armados que precisam de ser neutralizados.
Aliás, como também dizem os manuais marxistas, se for preciso o MPLA até sabe como armar uns tantos dos seus “paihamas” para criar a confusão mais útil. O caso dos 17 jovens activistas detidos é um dos paradigmas dessa estratégia.
Numa entrevista à LAC – Luanda Antena Comercial, no dia 12 de Fevereiro de 2008, era então ministro da Defesa, Kundi Paihama, levantou a suspeita de que a UNITA mantinha armas escondidas e que alguns dos seus dirigentes tinham o objectivo de voltar à guerra.
Kundi Paihama, ao seu melhor estilo, esclareceu, contudo, que os antigos militares do MPLA, “se têm armas”, não é para “fazer mal a ninguém” mas sim “para ir à caça”. Ora aí está. Tudo bons rapazes.
Quanto aos antigos militares da UNITA, Kundi Paihama disse que a conversa era outra e lembrou que mais cedo ou mais tarde seria preciso falar sobre este assunto. Na entrevista à LAC disse textualmente: “Ainda hoje se está a descobrir esconderijos de armas”.
Razão tinha, aliás, Kundi Paihama quando, no dia 12 de Janeiro de 2008, “botou faladura” num comício na Sede do Município da Matala e disse: “Durmo bem, como bem e o que restar no meu prato dou aos meus cães e não aos pobres”.
E por que não vai para os pobres?, perguntam vocês, nós também, tal como os milhões (ou serão só meia dúzia?) que todos os dias passam fome. Não vai porque não há pobres em Angola. E se não há pobres, mas há cães… é preciso alimentá-los bem.
E se todos fizessem como Kundi Paihama, não haveria cães com raiva. Continuaria a haver, é claro, angolanos a morrer à fome. Mas entre morrer à fome e morrer contaminado com raiva…
“Eu semanalmente mando um avião para as minhas fazendas buscar duas cabeças de gado; uma para mim e filhos e outra para os cães”, disse Paihama.
Não admira, por isso, que todos os angolanos procurem, afinal, ter a mesma sorte que os cães de Kundi Paihama. Tiveram, contudo, pouca sorte. Os cães que lhes tocaram em sorte estão cheios de raiva.
É claro que, embora reconhecendo a legitimidade que os cães do governador do Huambo e do regime têm para reivindicar uma boa alimentação, não se pode deixar de dar um conselho aos milhões de angolanos que são gerados com fome, nascem com fome e morrem pouco depois com fome.
Não. Não se transformem em cães para ter um prato de comida. Reivindiquem o direito tão simples de comer como os cães de Kundi Paihama.